O LIVRO ‘A LETRA ESCARLATE’ DE NATHANIEL HAWTHORNE E SEUS SIMBOLISMOS












1. Do autor e algumas considerações gerais acerca do livro
Nathaniel Hawthorne, autor de “A Letra Escarlate”, foi um escritor considerado o primeiro grande escritor dos Estados Unidos, relatando sobretudo o puritanismo na formação deste país como nação. Este escritor nasceu em Salém, em 1804, e morreu em 1864.
O livro em foco aborda um tema relevante, despertando inúmeras polêmicas e interesse das pessoas, pois trata de um tabu que é a traição. Além disso, ele traz a posição dos puritanos e ingleses recém-chegados nos Estados Unidos em relação a este assunto. Dessa forma, há, nesse livro, uma história de amor entre Hester Prynne e o reverendo Arthur Dimmesdale, adultério por parte de Hester Prynne e posição dos puritanos diante destes fatos.
O romance é iniciado com a libertação de Prynne da prisão, uma vez que ela foi condenada a dois anos de prisão por adultério. Ela chegou a Boston sozinha e fica à espera do marido, que já havia sido dado como morto. Diante desta situação, Prynne e Arthur Dimmesdale começam a nutrir um amor platônico recíproco. Embora Arthur Dimmesdale lute contra o pecado de gostar de Hester ela também relutar, os dois consumam o amor e concebem uma filha: Pearl.
Pearl é a “prova do crime” dos dois. Sendo assim, Prynne é obrigada a usar sobre suas vestes a letra A da cor escarlate, representando o adultério.
A romance é considerado um clássico mundial da literatura e é possível fazer relação com a história em tantas outros livros e filmes, além de seriados e novelas. O livro é, portanto, uma obra que discute a temática do feminismo e coloca a posição social da mulher em debate.
Além destas questões, há, neste livro, a construção do sonho americano, baseado no trabalho e “bons costumes” vistos nos colonos ingleses. Sobre esse sonho americano, é pertinente trazer a tradução de uma música, American Dream de Casting Crowns, para poder fazer uma intertextualidade entre o livro em foco e a própria música:

Sonho Americano[1]


Só trabalho e sem diversão fizeram Jack um cara monótono
Mas só trabalho e nenhum Deus deixaram Jack com uma alma perdida
Mas ele está seguindo em frente
Está perseguindo o Sonho Americano
Ele vai dar a sua família as coisas mais finas


Ele trabalha o dia todo e tenta dormir a noite
Ele diz que as coisas vão melhorar
Vão melhorar com tempo

E ele trabalha, e ele constrói com suas próprias mãos
E ele coloca tudo que ele tem em um castelo feito de areia
Mas o vento e a chuva vem batendo sobre ele
Tempo irá dizer quanto tempo seu reino durará
Seu reino durará

Seu Sonho Americano está começando a parecer
Mais e mais como um pesadelo
A cada dia que passa
"Papai, você pode vir para o meu jogo?"
"Oh amor, por favor não trabalhe até tarde."
Outro fim de semana desperdiçado
E eles estão indo embora

Na primeira estrofe, o eu lírico cita um Jack que trabalha “duro”, mas que não se dedica a um Deus, o que é, ao logo da canção condenado, pois deve-se trabalhar, mas deve-se também, segundo a canção, dedicar-se a um Deus. Logo, é possível perceber claramente os valores puritanos sendo defendidos e que são discutidos em “A Letra Escarlate”.

2. Do primeiro capítulo ‘A porta da prisão’
O capítulo I do livro “A Letra Escarlate” chama-se “a porta da prisão” e faz uma análise sobre a entrada da prisão da Massachussetts criado por Nathaniel Hawthorne. Há, então, nesse pequeno capítulo, alguns símbolos que podem ser discutidos.
A descrição da prisão, dado no livro, é a seguinte: “um tosco edifício de porta lavrada em carvalho e guarnecida de paus de ferro” (HAWTHORNE, p. 55, 2006).  Dessa maneira, a prisão é descrita como um lugar decrépito e vulgar, desvelando o papel de uma cadeia pública: receber os párias da sociedade.
Ainda sobre esta questão, há, ainda na página 55, a seguinte descrição da prisão: “como tudo o que pertence ao crime, aquele prédio dava a impressão de não haver jamais conhecido a juventude” (HAWTHORNE, p. 55, 2006). Ou seja, neste caso, a juventude está relacionada, simbolicamente, à liberdade, vivacidade e, além disso, faz oposição à velhice, uma vez que a velhice é vista como um momento de reclusão e/ou estado incapacitador dos sujeitos.
A prisão ainda é chamada de macabra construção. Sendo assim, interpreto ainda que uma cadeia só pode ser uma construção feia, fúnebre e, como há no livro, macabra, pois aqueles que transgrediram as leis não merecem nenhum tipo de conforto.
Em seguida, o cárcere é comparado a uma flor. Mas não qualquer flor: uma flor negra. Deste modo, a cor negra vem fazer referência à escuridão, ao luto, à maldade, à solidão, enfim, refere-se a elementos tidos como negativos. Ademais, esta flor, o próprio cárcere, é definida como uma flor negra da sociedade civilizada. Sendo assim, claramente percebo uma crítica à sociedade chamada de civilizada.
A partir dessa palavra civilizada, pode-se entender que mesmo numa sociedade “adestrada” e enquadrada e feita para dar certo há a comportamentos que devem ser punidos.
Apesar dessa punição, que é uma cadeia fria, macabra e feia, “O profundo coração da Natureza podia ser generoso e compassivo” (HAWTHORNE, p. 56, 2006). Percebo, neste fragmento, que o coração da Natureza (aqui como substantivo próprio) é o símbolo do divino, do acalentador e perdoador.
Há, neste excerto, portanto, uma analogia com o Cristo, Deus, Espírito Santo, isto, existe uma referência aos valores cristãos e puritanos, que diz que todo filho de Deus merece ser perdoado depois da punição.
Por fim, há a informação que uma roseira, por acaso, continuava viva, ou seja, em meio aquele lugar, uma rosa, o símbolo do amor e da paixão, permanecia com vida. A explicação trazida era que a roseira estava sob a proteção da santa Anne Hutchinson, santa inglesa que foi “uma pregadora e dissidente religiosa puritana que viveu no começo da era colonial inglesa na América do Norte, tendo sido expulsa da Massachusetts Bay Colony”[1].
Como conclusão do capítulo, há este parágrafo, no qual o narrador conversa e convida o leitor a ler o livro, fazendo uma analogia entre o simbolismo da rosa e história que irá narrar, que, segundo ele, é uma história de fraqueza e sofrimento humanos:
“Encontrando-a tão no início da nossa narrativa, que desse fúnebre portal agora vai começar, outra coisa não temos a fazer senão colher uma das suas flores e oferece-la ao leitor. Ela servirá, assim o esperamos, para simbolizar alguma doce floração moral que encontremos ao longo da jornada, ou para balsamizar a torva angústia e uma história de fraqueza e sofrimento humanos” (HAWTHORNE, p. 56, 2006).
3. Do capítulo ‘A praça do mercado’
Neste segundo capítulo do livro “A Letra Escarlate” é o momento em que Hester Prynne sai da prisão e caminha até a praça do mercado, que fica próximo à prisão. Esta é a primeira insígnia/marca/símbolo percebidos por mim, pois o caminho que Hester faz assemelhasse com o caminho do calvário, que foi o caminho feito por Jesus Cristo. A evidência deste símbolo lê-se a seguir: “A infeliz criminosa, sob o peso de milhares de olhos hostis que a procuravam, todos cravados no seu seio, suportava o mais que uma mulher pode suportar” (HAWTHORNE, p. 56, 2006). Ora, qual o homem que, segundo a mitologia cristã, sofreu mais do que um homem, pode suportar senão Jesus Cristo? Sobre isso, a Bíblia nos informa: “Então Pilatos lhes entregou Jesus para ser crucificado. Eles tomaram a Jesus; e ele próprio, carregando a sua cruz, saiu para o lugar chamado Calvário, e em hebraico Gólgota, onde o crucificaram, e com ele outros dois, um de cada lado, e Jesus no meio. Mateus 20:16-18[1].
Segundo o narrador, aquele dia parecia ser o dia da execução ou soltura de um criminoso notório, pois a aglomeração em frente a cadeia era muita. Porém, “em face da primitiva rigidez do caráter puritano, não era dado estabelecer-se com certeza uma conclusão dessa espécie” (HAWTHORNE, p. 57, 2006), pois qualquer evento, a saber, “um escravo preguiçoso ou um menino rebelde, entregue à sociedade civil [...]”; “podia ser um antinomiado, um quacre, ou qualquer sectário da religião heterodoxa, estivesse em via de expulsão da cidade ou um índio vadio e errante, que a água-de-fogo dos brancos houvesse tornado turbulento nas águas, etc [...]”; tudo, então, era motivo de fazer as pessoas saírem de suas casas para verem o que estava acontecendo.
Porém, as mulheres, naquele dia, estavam mais interessadas pelo castigo a ser iniciado, o que é uma denúncia à hipocrisia vivenciada na época, como pode-se ler:
- Senhoras – disse uma cinquentona de fisionomia dura -, vou revelar-vos um pouco do que penso. Seria de muito proveito geral que nós, mulheres de idade madura, e religiosas de boa reputação, tivéssemos o encargo de lidar com criminosas da espécie dessa Hester Prynne. Que achais, amigas? Se a velhaca comparecesse perante nós cinco que aqui estamos, sairia com uma sentença como a que o magistrado preferiu? Palavra, não creio”. (HAWTHORNE, p. 58, 2006).
A fala cima refere-se à punição de Hester Prynne que depois de ter a sua filha na prisão é solta e é condenada a usar em suas vestes a letra A de adultério, que é o título do livro. Sobre isso, há também a analogia com Jesus Cristo. Jesus carregou, até a morte, uma cruz. Prynne carregava uma letra escarlate com o símbolo de seu pecado. Entretanto, a letra escarlate era levada por Prynne “no corpete, emoldurada em laborioso trabalho de arabescos e fios de ouro, aparecia em nítido recorte, a letra ‘A’”. (HAWTHORNE, p. 60, 2006).
Outro símbolo encontrado neste capítulo é a comparação de Hester Prynne com Maria, mãe de Jesus Cristo: “Houvesse um papista ali, na turba de puritanos, e teria visto naquela bela mulher, tão singular nos trajes e na atitude, e com a criança ao colo, qualquer coisa que lhe recordaria a figura da Divina Maternidade [...]” (HAWTHORNE, p. 62, 2006).
Por fim, é importe discutir a beleza de Prynne. Por que ela é descrita tão belamente? Prynne afrontou a sociedade ao ter um caso fora do casamento, em vir sozinha para o Novo Mundo, a bordar a letra ‘A’ com fios de ouro e desafiou, mais uma vez, a população puritana e conservadora em sair da prisão de forma altiva, pois “os que já a conheciam e esperavam vê-la empanada e esbatida numa nuvem de catástrofe ficaram atônitos, pasmados de testemunhar como a sua beleza fulgurava, transformando o infortúnio e o labéu num lado que a envolvia toda” (HAWTHORNE, p. 60, 2006). A beleza e a sensualidade de Pryne foi colocado como símbolo de pecado. Todavia, a beleza é divina. Dessa maneira, a beleza de Prynne pode ser interpretada como a antítese sagrado X profano.
4. Do capítulo ‘Pearl’
Pearl é a filha de Hester Prynne e Arthur Dimmesdale. Ela é, então o produto de uma relação adúltera e, por isso, não abençoada por Deus, segundo a mitologia cristã e segundo aos preceitos puritanos.
O narrador revela que Hester chamou sua filha assim não fazendo alusão à pérola que tem a cor branca. Ela chamou sua filha assim porque “ela era um ser de alto preço”. Porém, a relação entre mãe e filha era conturbada, pois Prynne
“[...] Reconhecia que tinha procedido mal. E não conseguia acreditar que os resultados de seu erro pudessem ser bons. Dia após dia acompanhava assustadamente o gênio da criança, sempre temendo surpreender nele um traço pressago e extravagante, correspondente à culpa que fora legada” (HAWTHORNE, p. 87, 2006)”.
Ao longo deste capítulo, Pearl é comparada ao demônio, pois
Quando Pearl era menor, notara nela um certo modo significativo de olhar, que lhe indicava quando equivalia a perder tempo, insistir, persuadir, implorar. Era um olhar tão expressivo – apesar de indecifrável – tão esquisitos, algumas vezes tão malicioso, que, diante dele, Hester não podia deixar de se perguntar se Pearl era mesmo uma criaturinha humana. Parecia mais um diabrete volúvel que, depois de fantásticas brincadeiras no chão da cabana, fosse voar para longe com um riso galhofeiro. (HAWTHORNE, p. 89, 2006)”.
Pearl era tratada muito bem pela sua. Esta a vestia com as mais belas roupas feitas com os mais belos tecidos, já que Hester enxergava nela um verdadeiro produto de seu pecado, e tentava com isso esconder a aura de negatividade que existia em sua filha, segundo suas observações. Prynne chegava até a desejar que sua filha tivesse não vivido, isto é, que ela tivesse ficado no céu. Hester, conforme traz o narrador, “só desfrutava de uma tranquilidade real quando a menina estava placidamente adormecida” (HAWTHORNE, p. 90, 2006)”.
 Além disso, ela questionava a Deus: “ – Oh, Pai do Céu – se é que ainda és meu Pai -, que ser foi esse que eu trouxe ao mundo?!” (HAWTHORNE, p. 92, 2006)”.
O capítulo é finalizado com um diálogo entre mãe e filha:
“ – És minha filha de verdade? – Perguntou Hester
[...] – Sim, eu sou a tua Pearl! – Repetiu a pequena, continuando as traquinices.
- Não, não és minha Pearl! [...] Dize-me, então, o que que és e quem te mandou para cá!
- Dize-me tu, mamãe. [...]
- Foi teu Papai do Céu quem te mandou! [...]
[...] - Ele não me mandou! – Gritou com energia.- Eu não tenho Papai do Céu!
- Oh, Pearl! Oh! Não deves falar assim! – Repreendeu Hester, sufocando um gemido. [...]  (HAWTHORNE, p. 94, 2006)”.
Dessa forma, percebe-se a relação conturbada entre elas e a conotação demoníaca colocada em Pearl, isto é, o símbolo de Pearl é o pecado, ou seja, o diabo em si.


REFERÊNCIAS:
Disponível em http://www.companhiadasletras.com.br/autor.php?codigo=02957. Acesso em 6/12/14.
HAWTHORNE, Nathaniel. A Letra Escarlate. São Paulo: Martin, Claret, 2006. 


[1] Disponível em http://pt.wikisource.org/wiki/Tradu%C3%A7%C3%A3o_Brasileira_da_B%C3%ADblia/Jo%C3%A3o/XIX#19:16. Acesso em 5/12/14. 


[1] Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Anne_Hutchinson. Acesso em 5/12/14. 



[1] Disponível em http://letras.mus.br/casting-crowns/295058/traducao.html. Acesso em 5/12/14.

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