LUCÍOLA, A CORTESÃ “MEIGA E ABUSADA” : UMA (SIMPLES) COMPARAÇÃO ENTRE UMA DAS MULHERES ALENCARINAS, DO SÉCULO XIX, E A MULHER CANTADA NA MÚSICA DA CANTORA BRASILEIRA ANITTA NO SÉCULO XXI
1.
Considerações iniciais
Esta análise
constitui a última avaliação parcial da disciplina ministrada pelo prof. Dr.
Adeítalo Pinho. Em foco aqui está a obra
de José de Alencar e sua prosa romântica, produzida no século XIX, no Brasil. Para
esta análise, escolhi o livro Lucíola,
pois quis entender melhor sobre a mulher romântica das obras de Alencar e, a
partir disso, tentarei fazer, sucintamente, uma comparação entre esta mulher e
a mulher do século XXI, que é cantada na música meiga e abusada da cantora brasileira
Anitta. Uso esta música, que tem como título uma clara figura de
linguagem/pensamento, a antítese, pois Alencar, ao criar sua personagem,
utiliza uma antítese nos dois nomes dados à personagem principal: Maria da
Glória – nome antes desta iniciar sua vida como cortesã -, a meiga, e Lucíola – nome que a própria personagem se dá depois das
práticas como prostituta -, a abusada.
Será usado, como referencial teórico acerca do
movimento romântico, o texto “História social da arte e da literatura”, de
Arnold Hauser.
Inicialmente foi feito
um resumo sobre o livro Lucíola, bem como foi falado sobre a vida e obra do
autor desta obra, José de Alencar. Feito isso, fiz uma comparação entre a
descrição psicológica da personagem principal no livro Lucíola, a própria
Lucíola que também é Maria da Glória, o eu lírico da música meiga e abusada da cantora brasileira
Anitta. Para finalizar, discorro sobre às minhas conclusões ao término da
leitura do livro Lucíola e da comparação supracitada.
Sobre José de Alencar e seu livro
Lucíola
Antes de discorrer
sobre a vida e obra de José de Alencar e sobre o livro Lucíola faz-se necessário
situar esse autor no tempo. Sendo assim, José Martiniano de Alencar nasceu no
dia 1º de maio de 1829 no Ceará. Ele foi um grande escritor romântico
brasileiro que teve sua obra dividida desta maneira: romances urbanos: Cinco
minutos (1860), A viuvinha (1860), Lucíola (1862), Diva (1864), A pata da
gazela (1870), Sonhos d'ouro (1872), Senhora (1875) e Encarnação (1877); romances
indianistas são: O Guarani (1857), Iracema (1865) e Ubirajara (1874); romances
históricos: As Minas de prata (1865), Alfarrábios (1873), A guerra dos mascates
(1873) e romances regionalistas: O gaúcho (1870), O tronco do Ipê (1871), Til
(1872), O sertanejo (1876).
Falar que José de
Alencar foi romântico significa dizer que ele estava “desprezando” os valores
clássicos para lançar tendências. Ou seja, o romantismo foi um movimento
progressista. Em relação a progresso e sobre a obra de José de Alencar, e ainda
fazendo referência ao que é ser romântico, pode-se lembrar sobre a linguagem
cada vez mais próxima da fala do português brasileiro, evitando assim a
norma-culta de Portugal. Dessa maneira, “O romantismo era a ideologia da nova
sociedade e a expressão da visão de mundo de uma geração que deixara de
acreditar em valores absolutos, que não podia continuar acreditando em valor
algum sem pensar em sua relatividade e limitações históricas” (HAUSER, p. 671,
1998).
Então, ser romântico
era poder expressar sua individualidade na prosa e falar de sentimentalismo. O
romântico, dessa maneira, era (será que é ainda?) aquele que contemplava sua
amada/amado de forma platônica. Isto é, pelo viés do encantamento idealizado.
Sobre isso canta Lulu Santos em “Apenas mais uma de amor”:
Apenas Mais Uma de Amor[1]
[1]
Acesso em: http://letras.mus.br/lulu-santos/35064/,
no dia 25 de junho de 2013.
Eu gosto tanto de você
Que até prefiro esconder
Deixo assim ficar
Subentendido
Que até prefiro esconder
Deixo assim ficar
Subentendido
Como uma idéia (sic) que existe na
cabeça
E não tem a menor obrigação de acontecer
E não tem a menor obrigação de acontecer
Eu acho tão bonito isso
De ser abstrato baby
A beleza é mesmo tão fugaz
De ser abstrato baby
A beleza é mesmo tão fugaz
É uma idéia que existe na cabeça
E não tem a menor pretensão de acontecer
E não tem a menor pretensão de acontecer
Pode até parecer fraqueza
Pois que seja fraqueza então,
A alegria que me dá
Isso vai sem eu dizer
Pois que seja fraqueza então,
A alegria que me dá
Isso vai sem eu dizer
Se amanhã não for nada disso
Caberá só a mim esquecer
O que eu ganho, o que eu perco
Ninguém precisa saber
Caberá só a mim esquecer
O que eu ganho, o que eu perco
Ninguém precisa saber
Eu gosto tanto de você
Que até prefiro esconder
Deixo assim ficar
Subentendido
Que até prefiro esconder
Deixo assim ficar
Subentendido
Como uma idéia (sic) que existe na
cabeça
E não tem a menor pretensão de convencer
E não tem a menor pretensão de convencer
Pode até parecer fraqueza
Pois que seja fraqueza então,
A alegria que me dá
Isso vai sem eu dizer
Pois que seja fraqueza então,
A alegria que me dá
Isso vai sem eu dizer
Se amanhã não for nada disso
Caberá só a mim esquecer
E eu vou sobreviver
O que eu ganho, o que eu perco
Caberá só a mim esquecer
E eu vou sobreviver
O que eu ganho, o que eu perco
Ninguém precisa saber
Sintetizando
esta questão do movimento romântico como algo idealizado, pode-se notar neste
excerto: “Eu gosto tanto de você/ Que até prefiro esconder/ Deixo assim ficar/
Subentendido/ Como uma idéia que existe na cabeça/ E não tem a menor obrigação
de acontecer [...]”.
O
livro Lucíola (1862) narra a história de Maria da Glória. Maria da Glória que
tornou-se prostituta porque foi posta para fora de casa por seu pai quando este
descobre que ela conseguiu colocar dinheiro em casa através da venda do corpo.
Maria da Glória faz isso porque todos em sua casa encontram-se doentes e, para
suprir as necessidades básicas, como alimentação e remédios, entrega-se para um
vizinho que lhe dá dinheiro em troca de uma noite com ela. Mas o foco maior do
livro é o amor de Paulo e Maria da Glória.
Paulo
chega à corte do Brasil e logo encontra Maria da Glória, agora Lucíola, cortesã
de luxo do Rio de Janeiro. Apaixona-se e, em seguida, descobre a identidade de
Lucíola. Porém, resolve arriscar o romance e consegue o amor desta. Entre
encontros e desencontro, Lucíola deixa sua vida de cortesã e vai morar com
Paulo e conta para este toda sua história. Feito isso, Lucíola/Maria da Glória
descobre que seus pais tinham morrido, deixando sua irmã Ana desamparada. No
final da narrativa, Lucíola descobre que está grávida e tem uma gravidez de
risco, morrendo em seguida. Antes de morrer, porém, pede a Paulo que cuide de
sua irmã Ana como se esta fosse sua
filha.
Comparação entre Lucíola/Maria da Glória
e a mulher cantada pela cantora Anitta na música meiga e abusada
Ao ler Lucíola, pude
notar, o tempo todo, uma mudança no comportamento da protagonista do romance de
Alencar: uma hora esta era doce, outra hora esta mostrava-se malvada, grossa e
egoísta. E isso perdurou até o fim da narrativa. Dessa maneira, vi uma
(possível?) intertextualidade com a letra da música “meiga e abusada” da
cantora Anitta com o comportamento de Lucíola. Veja:
Mas, foi tão fácil pra te controlar
Com, jeito de menina brincalhona
A fórmula perfeita pra poder te comandar
Pensou, que eu fosse cair mesmo nesse papo?
Que, tá solteiro e agora quer parar
Eu, finjo, vou fazendo meu teatro
EPoderosa, eu sou quase um anjo
Hipnose, já ganhei você
Nesse jogo vamos ver quem é que vai vencer
Toda produzida, (ah...)
Te deixo quente
Meiga e abusada faço você se perder
E quem foi que disse que eu estava apaixonada por você?
Eu só quero saber
te faço, de palhaço, pra te dominar
Tá fazendo tudo que eu mando
Achando que logo vai me ter
Mas no fundo eu só tô brincando com você
Linda e perfumada, (ah...)
Na tua mente
Faz o que quiser comigo na imaginação
Homem do teu tipo eu uso, mas se chega lá eu digo não
Na tua mente
Faz o que quiser comigo na imaginação
Homem do teu tipo eu uso, mas se chega lá eu digo não
Para iniciar a comparação, o nome da música “meiga e abusada”
resume bastante coisa, pois este era a maneira de ser de Lucíola. Enquanto
cortesã de luxo, Lucíola conquistava tudo que ela queria, como diz a letra da
música: “eu posso conquistar tudo que quero”. Outro fator observado por mim
foi, em determinadas partes, a dissimulação de Lucíola, que pode ser também
conferida na música supracitada: “Eu finjo,
vou fazendo meu teatro
e te faço, de palhaço, pra te dominar (sic)”.
e te faço, de palhaço, pra te dominar (sic)”.
Outro exemplo de
dissimulação, também observada em Lucíola, pode ser conferida neste fragmento:
Toda produzida, (ah...)/ Te deixo quente/ Meiga e abusada faço você se perder/ E
quem foi que disse que eu estava apaixonada por você?/ Eu só quero saber
[...]”. A letra da música não tem um “final feliz”, mas pode-se perceber que o
eu lírico está satisfeito. Veja: “Homem do teu tipo eu uso, mas se chega lá eu
digo não (sic)”.
Para finalizar coloco
uma imagem do filme “Lucíola, o anjo pecador”[1]
(1975), de Alfredo Sternheim, e do clipe da música “meiga e abusada”, para
fazer uma comparação.
Considerações finais
O
primeiro fator que chama minha atenção no livro Lucíola é o motivo pelo qual a
protagonista é levada à vida de prostituição. Ou seja, José de Alencar não
trouxe uma cortesã que se tornou prostituta (profissão tão estigmatizada) porque
quis, mas que teve um motivo (digno?) para prostituir-se, que foi a doença de
sua família e falta de recursos financeiros para poder ajudá-los.
Outra
questão a ser destacada é crítica social feita pelo autor à sociedade carioca
da época. Dessa maneira, pude perceber uma função social de grande importância
nos escritos de Alencar: fazer o público leitor não só se deleitar, mas
refletir e, de alguma forma, tentar mudar sua própria realidade. Quando Alencar
coloca uma prostituta (mesmo esta que tem um motivo para ser. Isto é, há
dignidade nesta cortesã) como total destaque em seu livro, ele faz pensar: será
que é tão asqueroso ser uma cortesã? Será que todas elas são indignas de serem
amadas, assim como as mulheres burguesas tão educadas e finas? Ficam estas
perguntas que cada leitor, no silêncio do seu quarto, poderá responder.
Além
destas duas questões, há a morte de Lucíola que já foi tão comentada por
críticos literários. Alguns dizem que Lucíola, numa sociedade (diferente da de
hoje?) conservadora, não aceitaria um “final feliz” para ela. Na verdade, para
mim, não há outra explicação para a morte de Lucíola a não ser esta.
Dessa forma, estas são as
minhas conclusões acerca do livro Lucíola de José de Alencar: José de Alencar,
ao criar sua personagem principal, faz refletir sobre a condição de uma cortesã
na sociedade carioca da época (e faz isso até hoje para aqueles que se permitem
a tal leitura) e se esta pode ou não ser amada; O autor também nos faz pensar
(questionar) padrões sociais impostos, ou seja, verdades já estabelecidas; por
fim, ele nos coloca a morte de Lucíola (legítima) para nos fazer pensar se é
esta uma forma de punição.
Referências
ALENCAR, José de. Lucíola. 12ª ed., São Paulo: Ática,
1988.
HAUSER, Arnold. O Romantismo alemão e ocidental. In:
História social da arte e da literatura. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p.
661-726.
[1]
Outro claro exemplo de antítese.
[1]
Acessado em: http://www.vagalume.com.br/mc-anitta/meiga-e-abusada.html#ixzz2Xru9HIW6,
no dia 25 de junho de 2013. Compositor: (Anitta/umberto Tavares/jeferson
Junior).
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