Conhecendo Vanessa da Mata

2008. Feira de Santana. Festival de Inverno. Atração principal: Vanessa da Mata.
E Foi assim, aos 18 anos, que o aspirante a professor de língua portuguesa (português brasileiro, como atesta e defende o linguista e professor da Unb Marcos Bagno) conhece a artista Vanessa da Mata que carrega em si inúmeras discussões sociais em seu corpo, sua pele, seu cabelo, sua condição de mulher e sobretudo em sua arte/poesia/música, na qual ela produz conhecimento.
Lembro-me que nunca tinha ido a um show daquele porte e me senti um peixe fora d’água, dado que minhas roupas não estavam, segundo minha percepção da época, adequadas àquele ambiente, já que eu estava na área (chamada de) vip. Fui com um amigo que, não querendo ir ao show sozinho, presenteou-me com o ingresso do espetáculo – foi em setembro, mês de meu aniversário.
Senti-me tocado, ainda sobre o show, pelas canções clássicas “Boa Sorte”, “Ai, ai, ai…”, “Sou neguinha”, “Vermelho”, “Joãozinho”, etc. Foi ali, já com um olhar sempre voltado para linguagem, que comecei a fazer conexões entre literatura e música.
Vanessa Sigiane da Mata Ferreira[1], a Vanessa da Mata, nasceu em Mato Grosso, mas mudou-se aos 14 anos para Minas Gerais para poder se preparar para o vestibular de medicina. No entanto, a cantora e compositora começou a exercitar sua arte cantando em barzinho por lá. Foi através de Chico César que Vanessa se lançou como compositora e pôde, a partir daí, gravar seu primeiro CD, em 2002, intitulado Vanessa da Mata.
Análise da música/poema: Ninguém é igual a ninguém[2]
O novo trabalho de Vanessa da Mata, 2014/2015, é o álbum Segue o som. O CD é, como o estilo da cantora, intimista/subjetivo, porém não é por isso que a cantora não analisa a sociedade, como em Toda a Humanidade nasceu de uma mulher, na qual ela exalta as mulheres que, na versão mítica da Bíblia, nasceram de um homem; em Segue o Som, a artista critica a correria do dia a dia, fazendo clara referência à exacerbada competitividade do sistema capitalista, e convida os ouvintes a terem momentos de (poucas) alegrias; Homem Invisível no Mundo Invisível há uma discussão filosófica, uma vez que a discussão gira em torno dos sentimentos e daquilo que não é visto, observado, quantificado.
Em Ninguém é igual a ninguém, mote central da análise, é que Vanessa, mais veementemente, faz uma análise dos indivíduos (ou de si mesma?) na sociedade. Na primeira estrofe, o eu lírico dispara:
Por que houve o amor
Por alguém que nunca o priorizou
Por que houve profundidade
Se ele era raso e não sentia o coração
Por alguém que nunca o priorizou
Por que houve profundidade
Se ele era raso e não sentia o coração
Há aí uma pergunta: por que o amor surgiu por outrem que nunca o priorizou? Dessa forma, o eu lírico questiona o quão cego pode vir a ser o amor, isto é, o amor ideologicamente construído no discurso das mídias (cinema, música, jornais, novela, literatura, etc). Em seguida, usando a antítese em um jogo linguístico entre raso X profundidade, há a critica à/ao amada/o afirmando que esta/este era rasa/raso e não pôde sentir a profundidade do amor.
Na segunda estrofe, novamente há o ressentimento da voz poética que se revolta em não ter tido o amor correspondido. Não se pode negar que o eu lírico está magoado por ter sido abandonado. O eu lírico é, portanto, egoísta em ver somente a sua posição, como se lê:
Porque esse amor se disse forte
Se quem o teve nunca o quis
Nunca se deu de verdade
E o evitou quanto mais sentiu
Na segunda estrofe é que se começa a análise social mais perceptível:
O mundo capital
O marketing da aparência superficial
A contramão do amor puro
O fast-fode, o jato do alívio
O marketing da aparência superficial
A contramão do amor puro
O fast-fode, o jato do alívio
Aqui o mundo capitalista é criticado e denominado como “o marketing da aparência superficial”, além de ser um impasse para se concretizar o amor chamado de puro. É importante frisar que há uma valorização da língua portuguesa (português brasileiro) quando a compositora aportuguesa a palavra “fast-food” (comida rápida, em tradução livre) para “fast-fode”. Em seguida, tem-se a reflete sobre sua condição atual e percebe que está num processo de desilusão, que é o subtítulo da música em estudo. Usa-se ainda, para reafirmar esta condição, a antítese “morte em vida” e finaliza que ninguém é igual a ninguém:
Trágica subida
Montanha russa
Fino corte sem sangue, a desilusão
A morte em vida
Minha força talvez seja me lembrar
Que me levantei
Me guiei pelo que sou
E ninguém é igual a ninguém
Montanha russa
Fino corte sem sangue, a desilusão
A morte em vida
Minha força talvez seja me lembrar
Que me levantei
Me guiei pelo que sou
E ninguém é igual a ninguém
No final da canção, a voz poética questiona a felicidade das pessoas e diz que os sorrisos não são verdadeiros:
Será que é feliz
Não vejo um sorriso verdadeiro por aí
Acostumado a mentir
Quem mente para todos mente para si
Não vejo um sorriso verdadeiro por aí
Acostumado a mentir
Quem mente para todos mente para si
Na estrofe acima ainda se vê uma importante afirmação: Quem mente para todos, mente para si. Esculpir corpos em academias a custos de vitaminas, comprar roupas e objetos quando não pode fazer isso, usando um dinheiro que não é seu, leia-se os empréstimos feitos por cartão de crédito, apenas para atender uma demanda, graduar-se em cursos (como medicina) somente pelo status, etc., ter tais atitudes não é mentir para si mesmo?
Por fim, é deixado claro, na ideia central da música/poema, que cada um reage à queda de forma singular, visto que ninguém é igual a ninguém.
Link para escutar a música: https://www.youtube.com/watch?v=XhGtVB7xQ9Y
[1] Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Vanessa_da_Mata. Acessado em 28 de janeiro de 2015.
[2] Disponível em http://letras.mus.br/vanessa-da-mata/ninguem-e-igual-a-ninguem-desilusao/. Acessado em 28 de janeiro de 2015.
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