
Produção artística acerca da prosa colonial dos Estados Unidos da América, orientada pelo professor Ms. Nigel Allan Hunter.
SUMÁRIO
Capítulo I: Breve
relato de quem sou eu e o que me trouxe a esta terra ..................................
Capítulo II: A bordo
.................................................................................................................
Capítulo III: Minha
chegada no Novo Mundo
.........................................................................
Capítulo IV: Os
primeiros meses
.............................................................................................
Capítulo V: A chegada
de Jane
................................................................................................
Capítulo VI: A morte de
Jane ..................................................................................................
Capítulo VII: O eu
agora
..........................................................................................................
Epílogo: ....................................................................................................................................
O
novo mundo
Ou:
o eu em ossos (no novo mundo)
Ou:
O novo mundo e a morte de Jane
Por
Luke Goulding
Capítulo
I:
Breve
relato de quem sou eu e o que me trouxe a esta terra
Eu me chamo Luke Goulding
e sou filho de nobres ingleses. Meus pais não queriam me deixar vir para essa
terra a ser explorada, todavia, eu não aguentava mais a Europa e as imposições
acerca dos meus comportamentos. Ora, morar em Londres em meio a tantas
repressões não foi, para mim, uma boa experiência. Eu não queria casar, ter
filhos e seguir com os títulos e obrigações que um filho de nobre tinha que,
como obrigação, ter.
Meus pais... puritanos
confessos. Eles, inicialmente, pensaram em me acompanhar, mas as facilidades da
vida nobre impediram deles assim procederem. O que foi, de certo modo, uma
sorte.
Apesar de ter posses na Inglaterra, eu quis me
aventurar neste novo mundo, pois as notícias que vieram eram boas e, para fugir
das obrigações que sempre julguei atrasadas, quis vir para o novo fazer riqueza.
As minhas riquezas...
Talvez o meu relato não
seja como os outros, pois não irei exaltar essa terra nem afirmar que estou em
um paraíso, porque realmente não estou.
Cheguei aqui, em
Jamestown, em 1608, um ano após a primeira colônia ser firmada, sob a liderança
de John Smith. Como aqui, nos primeiros anos, não era autossuficente, isto é,
os colonos não sabiam manipular a agricultura, aportei em um navio que trazia
suprimentos alimentícios. Achei um pouco estranho esses suprimentos
alimentícios serem trazidos de tempos em tempo. Eu, no fundo, sabia o que me
esperava. Porém, eu ainda, também lá no fundo, queria acreditar que iria
enriquecer e, assim, viver a partir de meus pensamentos, sem ter que dar
explicações à sociedade londrina e, sobretudo, à minha família.
O quadro em Jamestown
era terrivelmente terrível. O frio era de morte. Não havia uma organização
elaborada. As casas estavam por ser feiras, visto que muitos ingleses tinham
sucumbido à morte.
Deixei para trás um
amor, um grande amor em Londres: Jane. Como eu gostaria de tê-la trazido de
imediato. Amava-a de uma forma especial: ela era uma amiga, um amor, um anjo,
uma amante sexual. No entanto, era puritana. Ela, por isso, lutava contra o
nosso amor. Jane queria vir comigo, mas dependia do aval de seus pais, que eram
amigos dos meus. Os pais de Jane, também nobres, quiseram fugir da Igreja
Anglicana e da Igreja Católica. Entretanto, assim como meus pais, os pais de
Jane queriam continuar gozando dos privilégios da nobreza. Dessa forma, Jane
não foi capaz de me acompanhar. Pobre Jane. Devia ter permanecido em Londres.
Ainda hoje penso em
tudo que me fez vir para Jamestown e não me arrependo das experiências, boas,
ruins e sobrenaturais, que vive. Talvez. Jane é um caso à parte. Deus me
perdoe, mas sinto que, embora isso seja um sacrilégio, ela é minha e só minha.
Ela me pertenceu e me pertence. Hoje ela faz parte de mim. Ela está em minha
alma.
Contrariando a tudo e a
todos, inclusive à Jane, aqui estou a contar-vos um pouco sobre o novo mundo,
sobre Jane e, principalmente, sobre mim.
Capítulo
II:
A
bordo
Decidi sozinho que iria
mesmo sair da Inglaterra. Não dava mais. Eu queria liberdade e, embora eu
amasse Jane muito, eu não consegui sobrepor minha vontade de galgar outros ares
à minha quase devoção por ela.
Meus pais choraram,
gritaram e até tentaram me deserdar, o que, para mim, não tinha sentido algum.
A minha ideia era mesmo me desvencilhar totalmente daquela vida nobre e com
tanto apego à riqueza.
Foi no dia 18 de
setembro de 1607 que dei “adeus” a Londres. Foi um dia de morte espiritual para
o velho Luke. Chorei em deixar, aos 25 anos, tudo para trás. 25 anos de
vivência sufocado com tantas mentiras sociais, com tantos ritos de passagem,
invenções descabidas de uma Europa que, até hoje percebo, estava um caos.
Famílias de fachadas, casamentos arranjados, amores perdidos, religiões em
guerra. Essa era a Europa do século XVII. Não era ali que gostaria de estar,
pelo menos naquele contexto.
Ao chegar no navio Angels, nome que gostaria de refletir um
pouco antes de deixar este mundo, fui mergulhando, simbolicamente, - mas
por que não dizer literalmente? – e também em vias de fato em um mar
salgado, um mar revolto, um mar trágico, um mar de tristezas, um mar de pessoas
desesperadas, pessoas em fuga, iguais a
mim.
Jane, nem precisa
dizer, chorou e prometeu, tão logo pudesse, vir até mim. Nossa despedida, uma
noite antes, foi o que mais me revoltou: Por que, se ela dizia querer tanto,
não fugia comigo? O que ela iria perder ou ganhar? Aquilo me pareceu insano,
mas ela dizia que iria convencer a seus pais a irem também. Será verdade ou
Jane sentiu que sua morte estaria lhe esperando em um outro continente, no
continente americano?
Jane, minha amada, foi
me dar um último abraço quando embarquei no Angels.
Um abraço doce, choroso, apertado e feminil. Um abraço de morte/vida.
Os três meses que
passei a bordo foram... como poderei adjetivar? Assombroso? Imoral? Longo?
Longo e assombroso. Haviam muitos homens. Mais homens que mulheres. As
necessidades sexuais não foram abafadas. Não sabíamos onde chegaríamos, como
chegaríamos e se chegaríamos. Homens amaram homens, mulheres amaram mulheres,
homens e mulheres se deleitaram na proa do Angels
sem o mínimo de pudor. Houve também os bacanais, não sei se é assim que
chamam hoje. Mas explico: sexo a três, a quatro, a cinco. Éramos, neste
instante, animais selvagens. Sei que esse tipo de comportamento acontece quando
o ser humano está numa condição de sub-vida, todavia nem sempre.
Esses bacanais, pelas
minhas leituras, vêm da Antiguidade Greco-Romana. Eles sim souberam aproveitar.
A sexualidade livre, o amor livre, as magias, sem condenação da Igreja
Católica, eram sublimes, primorosas e, absolutamente, devo dizer, um
privilégio.
Ah, não poderei
esquecer. A viagem foi longa sim. E assombrosa também. Não só pelo sexo sem
pudor (algo que todos fazem questão de esquecer), mas também pelas mortes. Tive
medo de morrer, uma vez que muitos morreram. Morreram por falta de comida,
outros foram mortos (as brigas em alto-mar foram constantes: às vezes por
ínfimos desentendimentos, às vezes por questão religiosas, às vezes por pura
falta de... humanidade). A questão é que cheguei e tudo pareceu um sonho. Eu
estava, deveras, em outro continente. Eu estava no novo mundo!
Capítulo
III:
Minha
chegada no Novo Mundo
Comigo chegaram
pequenos burgueses, artesãos, camponeses, comerciantes, pequenos proprietários
de terras que queriam crescer nesse lugar, além de puritanos que queriam
professar sua fé de maneira mais aberta e livre. E tinham pessoas como eu: os
chamados “rebeldes sem causa”. Detesto esse rótulo. Que coisa mais arbitrária.
Só porque eu não concordava com os preceitos daquela sociedade eu era um
REBELDE? Nossa sociedade é mesmo
esquizofrênica.
Cheguei em, mais ou
menos, em 25 de dezembro de 1608. O nascimento de Cristo. Que bela data para
chegar no novo mundo. O meu nascimento em terras estrangeiras. Sim: eu tinha
nascido de novo!
A princípio agradeci ao
Deus do Cristianismo, por falta de outro Ser Divino, pela minha chegada. Eu
realmente estava surpreso.
Jamestown já tinha
quase dois anos de formada estava tão mal organizada. As coisas não estavam
bem. Na minha primeira semana por lá eu pensei que iria morrer por conta de
tantos mosquitos. Nunca tinha passado por situação similar na Europa. Além
disso, a comida era escassa e as pessoas estavam muito magras. Vi, com repulsa,
pessoas comendo sopa de pedras. Não me perguntem a receita. Vocês devem
imaginar.
Entretanto, leitoras e
leitores, eu preferia isso a ter que suportar as hipocrisias de minha terra.
Comecei, a partir de então, a me engajar nas construções das casas. Era muito
difícil começar do zero, mas me inspirei no primeiro livro da Bíblia Sagrada (Sagrada para quem?) que diz: No princípio
criou Deus o céu e a terra. E a terra era sem forma e vazia; e havia trevas
sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas. (Gênesis
1:1-2). Me senti, então, como o Espírito Santo: Eu estava me movendo sobre o nada.
E foi do nada que eu
quis me transformar. Quis construir tudo sozinho nessa terra.
Sentia, de forma
inexplicável, uma força que vinha de algum lugar. Os puritanos chamariam de fé.
Eu chamaria de “força de vontade”. Algo que vinha de mim e para mim. O Sagrado
estava em minha mente como algo alienador. E eu não queria este estigma.
Depois de me engajar
nessas construções, eu percebi que nada andava. Por mais eu tentasse, tudo
permanecia no nada, no zero e no vazio. Comecei a ver muitos de meus
companheiros morrendo. Eu, até agora, não desejei morrer. Sabia que eu poderia
ir além. Apesar dessa onda de tristeza e desolamento, eu sentia muitos desejos
sexuais. E estuprei.
Às margens de um rio,
quando ninguém estava próximo, avistei uma nativa. Na segunda semana vivendo
naquela terra eu não aguentava ver nem um bicho. Aquela morena, de cabelos
lisos, se banhando me deu uma fome. Fome não só de sexo. Fome de carne humana.
Fui até ela e me
deleitei em seu corpo cor da noite, ao menos esta é a cor que trago guardada em
minha mente. Será que foi um estupro? Somente ela poderá responder. Ou nem ela.
Percebi, em certo momento, que ela me encarou como um estrangeiro. Mas não um
estrangeiro de outro lugar aqui da terra. Ela foi possuída como se eu fosse de
outro planeta. Embora essa discussão tenha sido pouca no século XVII, ela me
sempre me incitou.
Qual o nome daquela
nativa? Não saberei. Só sei que o que fiz nunca foi comentado nem descoberto
pelos nativos, assim eu esperava, pois até então eles nos ajudavam na
alimentação. E isso nos salvou. Eles nos davam grão e nós, eu não sei o porquê,
penso que por curiosidade, dávamos a eles objetos de ferro. Verdadeiras
bugigangas, ao meu ver.
Capítulo
IV:
Os
primeiros meses
Os primeiros meses
foram na minha opinião uma espécie de esquecimento.
Eu, pouco a pouco, esquecia Jane. Esquecia a minha agitada Londres. Esquecia meus
pais. Puritanos pais.
Esqueci também o fatídico – e ao mesmo tempo prazeroso - episódio vivido por mim e por uma nativa na
minha primeira semana nesta terra. Esquecia os meus bacanais a bordo do Angels.
Esquecia tudo, mas uma
coisa eu não esquecia: a fome. Não havia comida suficiente em Jamestown. Como
havia falado, eu vi pessoas comendo sopa de pedra. Agora algo me preocupava:
alguns habitantes da colônia tinham morrido. Até aí tudo bem. Mas algo estava
estranho. Alguns até faziam sepultamento e oravam, segundo suas crenças
puritanas. Porém, alguns cadáveres estavam sumindo.
Não havia mais sepultamento. Nem choros. Comecei a perceber que meus
companheiros ficavam felizes com as mortes.
Então, comecei minha
investigação. Esperei, sorrateiramente, alguém morrer. Com a fome e frio isso
não seria difícil. Dali a, no máximo, três dias alguém iria morrer.
E foi o que aconteceu:
uma camponesa chamada Joanne, mãe de cinco pequenos filhos, dos quais dois já
tinham morrido naquele inóspito lugar, sucumbiu numa manhã de terça-feira. Não
sei o que como, mas ela havia morrido e isso não mais surpreendia. Seu marido,
sr. Charles, pela minha observação, estava feliz com aquilo. Achei que estava
louco, mas eu vi.
Charles pediu aos seus
três filhos que saíssem de casa e entrou em ação: esquartejou a mulher de
maneira fria. Ele bebeu vinho e usou uma grande faca e um machado. Vi tudo,
pois me escondi nos fundos de sua casa ainda inacabada. Ninguém estava por
perto, apenas eu. Ele separou todos os membros de Joanne e guardou em vários
potes. Algo digno de um conto de terror. Em seguida, ele se preparava para sair
de casa. Quando percebi sua investida, eu me escondi numa árvore e continuei a
observá-lo.
Agora ele estava
procurando alguma coisa. Em poucos instantes, eu percebi que ele buscava pedaços
de pau e me assustei: ele iria fazer uma fogueira? Sim, ele iria fazer uma
fogueira e fez. Num caldeirão ele colocou vísceras. E eu sabia bem do que e de
quem eram aquelas vísceras. Ele iria jantar Joanne.
Em pouco tempo, estava
pronta a sopa de Joanne. Charles chamou seus filhos e, junto com eles, jantou
sua esposa.
Estava confirmado:
havia canibalismo em Jamestown.
Capítulo
V:
A
chegada de Jane
Embora eu tenha me
assustado com a cena de Charles jantando sua esposa, fui dormir refletindo sobre
a situação. Charles não matou sua esposa. Ela morreu. E ao morrer ele apenas
usou de seu corpo para se alimentar e alimentar seus filhos.
Atos de canibalismos
podem, de certo modo, ser interpretados sob vários leques. Um dos fatores é a
religião. Sabe-se que muitos nativos aqui nesta terra praticam o canibalismo.
Não para matar a fome, como foi o caso de Charles e os outros colonos de
Jamestown.
Os nativos praticavam o
canibalismo, conforme minhas leituras rasas, depois de uma guerra entre
“tribos”. Os soldados da “tribo” rival que morriam em combate era devorado,
depois de um processo ritualístico. A finalidade disto era transferir para os
comensais a força do soldado que estava sendo comido. Enfim, eu realmente
estava propenso a aderir, caso não tivesse mais forças, ao canibalismo.
Mas minha cabeça mudou
de foco por uns instantes quando vi um navio aportar em Jamestown: a jovem e
linda Jane estava descendo. Em agosto de 1609, ela chegou. Creio eu que tenha
sido nesta data, pois não sei se tenho mais raciocínio.
Que ar doce, jovial e belo daquela menina. E
que fome eu estava de amor e de comida. Fui, faminto, abraçá-la.
Por um instante, achei
que ela não havia me reconhecido. E não foi apenas uma impressão. Realmente,
ela não me reconheceu.
- Mas minha nossa,
Luke! O que aconteceu? Você está muito magro e com uma cara alucinada. –
Enfatizou a minha amada Jane.
- Jane! Jane, meu amor.
Você veio! Que saudades! Me conte tudo. – Eu disse como se estivesse dando os
meus últimos suspiros.
- Oh, meu amor. Eu fugi
de Londres. Não aguentei viver sem você. Contei aos meus pais acerca de nossa
relação e eles simplesmente me condenaram e disseram que eu iria morrer
queimada no inferno. Então, deixei tudo para trás e vim ter com você, meu
querido.
Neste instante, levei
minha amada para uma gruta perto dali. Ela sem pudores e sem maiores
preocupações veio comigo como que enfeitiçada pela nova terra que adentrara. Nos
amamos naquela gruta e ela falava coisas ao meu ouvido que eu logo interpretei
como “eu te amo” e viveremos “felizes para sempre”.
Depois de mais calmos e
refeitos, levei Jane para o assentamento e apresentei-a como minha esposa. Nós
havíamos acabado de casar naquela gruta. Éramos
uma única carne.
Pouco a pouco, Jane e
eu começávamos a ver o quão inóspito estava aquele lugar. Pessoas morriam todos
os dias. Comecei, então, a roubar comida para mim e para minha amada.
A minha magreza estava
mórbida. Assustei-me a me ver em um espelhinho que Jane tinha adornado nossa
pequena e também inacabada casa a minha face. Eu estava um morto-vivo. Eu era,
então, um morto ambulante que se arrastava. Perguntei à Jane:
- Você me ama mesmo
assim? Feio e magro?
- Ora, meu querido.
Iremos vencer tudo isso!
- Eu perguntei se você
me ama, Jane! – Gritei embevecido pela cólera e também pela fome que se
misturava ao desespero e tristeza.
- Assim você me
assusta, Luke. Eu o amo sim, caso contrário eu não passaria três meses naquele
navio para vê-lo, mesmo sabendo que estas terras ainda não são um paraíso, como
nos contaram. Estou aqui com você. Aquieta-te, homem!
- Você não me ama,
mulher. Pelo menos não me ama mais. Vejo seus olhares lascivos para os outros
homens, sua vadia. Além de tudo, quem não te ama mais sou eu. Veja: Você, assim
como eu, está morta! Saia de minha frente.
E assim eu saí, como um
louco, e fui gritar e chorar por toda a Jamestown.
Capítulo
VI:
A
morte de Jane
Passei três dias fora
de casa e me tornei louco. A fome me embebedou e me tornou um outro ser.
Comecei a comer terra, folhas, besouros, enfim, tudo o que eu encontrava pelo
meu caminho.
Senti-me como um
demônio. Aqueles que pregam o Apocalipse. O Apocalipse da Bíblia Sagrada. Na
verdade, o demônio estava em mim. Lúcifer se fez presente nestes dias. Ele
estava comandando Jamestown. Acredito eu que naqueles dias, o Deus Cristão
estava dormindo.
Eu dormia e via um ser
metade homem e metade bode. Só podia ser um aviso.
Criado com meus pais
sob os princípios bíblicos, eu conhecia bem a Bíblia Sagrada. Neste momento, eu
lembrei de uma parte da Bíblia: “E vi descer do céu um anjo, que tinha a chave
do abismo, e uma grande cadeia na sua mão. Ele prendeu o dragão, a antiga
serpente, que é o Diabo e Satanás, e amarrou-o por mil anos”. (Apocalipse
20:1-2).
Na verdade, nesse
momento Satanás não estava preso. Ele estava solto e provocando todo o mal
existente em Jamestown. Jamestown, naquela época, era o próprio inferno.
Sendo o inferno e
acreditando nisso, voltei para casa. Meus olhos estavam vermelhos de cólera.
Bati na porta e Jane não me respondeu. Entrei e a encontrei dormindo na cama.
Senti ódio da mulher que amei e senti fome. Fome de comida e fome de carne
humana. Sucumbi aos desejos sórdidos.
Peguei uma adaga e,
enquanto ela dormia, desferi contra a minha amada um golpe em seu rosto. Ela
não teve tempo de gritar. Esfaqueei seu rosto cinco vezes e ela desfaleceu.
Vê-la ali ainda viva me
fez pensar que nunca mais iria tê-la como mulher. Tirei minha roupa e fiz sexo
com ela. Um sexo amargo. Um sexo de morte. E, em seguida, adormeci.
Enfim, amanheceu e eu
ainda tomado pelo demônio, fiz com Jane o mesmo que Charles fez com sua esposa.
Charles serviu, para mim, como um professor. Um bom professor.
Lambuzei-me
com as vísceras de Jane. Fiz sopas com sua carne.
Matei minha fome.
Capítulo
VII:
O
eu agora
Eu[1]:
Pronome pessoal de dois gêneros;
1. A minha pessoa;
Substantivo masculino;
2. O ente consciente; a
consciência;
3. [Informal] Minha pessoa;
Como substantivo,
admite o plural eus.
1. No momento .atual; neste instante ou ocasião. = PRESENTEMENTE;
2. A partir deste momento;
3. Em vista disto.
Eu, pronome pessoal, e agora, advérbio de tempo. Estes dois vocábulos não poderiam ser melhores para introduzir este capítulo. O eu, Luke Goulding, está agora novamente na Inglaterra, em Londres.
Ter feito o que fiz com minha amada Jane foi
surreal. Penso que foi um sonho ruim. Jamestown agora prospera. E eu fico feliz
de ver aquele povo faminto e lutador vencendo. Talvez a vida tenha me dado uma
lição. O eu agora descansa na casa dos pais, fazendo aquilo que sempre
detestou: a submissão. Mas faz mal ter o carinho da família?
O eu agora não tem mais 25 anos. O eu agora está no
ano de 1619. O eu agora tem 36 anos. Consideraram-me louco. O eu agora é louco?
Pode ser. Porém, o eu agora louco pode refletir melhor sobre suas escolhas num
afã da primeira juventude.
Aos 25 anos nós estamos na primeira juventude e
erramos. Erramos feio na tentativa de dar voos altos em busca de nossa
felicidade e em busca de respostas. Não, eu não estou defendendo os meus pais.
Continuo achando que eles são covardes. Eles são hipócritas, assim como a
sociedade inglesa. Não suporto essa condição que eu me coloquei.
O eu agora lê constantemente a Bíblia Sagrada, uma
vez que é louco.
Eu, o eu
agora, foi trazido desacordado e sujo de sangue para a Europa em 1609.
Mandaram-me de volta depois que viram que eu, por me julgarem um filho de
nobres ingleses e, por isso, sem condições de permanecer na labuta diária na
construção de um novo mundo.
Só pude saber que meus pais deram ordens expressas a
um homem para cuidar de mim aqui na Inglaterra. Este homem me vigiava noite e
dia. E, quando viu os acontecimentos, deu um jeito de me trazer de volta.
Enfim, agora vocês sabem o objetivo deste pequeno
capítulo: finalizar este relato de experiência. Esta literatura de viagem considerada
por muitos literatura, por ser subjetiva, e para outros é uma fonte histórica.
Não é minha intenção discutir nada.
O eu agora silencia. Cabe a você leitor julgar se
estou certo, se estou errado e se o aqui relato é verdadeiro ou se tudo não
passou de um sonho. Um sonho ruim.
Silêncio.
EPÍLOGO
A Inglaterra no século
XVII enfrentava um momento conflituoso: a reforma anglicana. Além disso, a
vontade de colonização de muitos burgueses era latente. Por isso, a colonização
inglesa na América do Norte foi incentivada pela corte inglesa.
Além desses fatores,
haviam muitos ingleses pobres que estavam sem ter como se sustentar, uma vez
que foram levados a morar nas cidades depois do êxodo rural.
Muitos ainda estavam
querendo professar sua fé sem serem perseguidos.
Dessa forma, a primeira
colônia inglesa foi instaurada, sob a liderança de James Smith, no hoje
conhecido Estados Unidos da América, em 1607.
Como se sabe, as
condições eram desfavoráveis para os primeiros colonos de Jamestown. O clima
era frio, não havia condições de plantação, houve certo conflito com os
nativos, etc. Esta história foi inspirada nos estudos feitos na disciplina
Civilização Anglo-Americana, em 2014.1, e nos primeiros estudos da disciplina
Literatura Norte-Americana I, em 2014.2.
Jane, segundo texto de
Duda Teixeira, publicado em edição impressa de VEJA[1],
realmente existiu. Como pode-se ler: “Aos 14 anos, a jovem Jane chegou em um
navio de suprimentos a Jamestown, a primeira colônia inglesa na América, em
1609. A causa de sua morte, meses depois, é um mistério, mas sabe-se que seu
cadáver foi desmembrado para ser devorado por um grupo de colonos”. (TEIXEIRA,
D., 2013).
Apesar de toda a ficção
presente neste trabalho, é possível se ter um verossimilhança com a realidade.
[1]
Disponível em: http://veja.abril.com.br/blog/ricardo-setti/tag/capitao-john-smith/.
Acessado em 23 de novembro de 2014.
[1] "Eu",
in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013,
http://www.priberam.pt/DLPO/eu [consultado em 23-11-2014].
[2] "Agora", in Dicionário Priberam da
Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/DLPO/agora [consultado
em 23-11-2014].
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